Dali a minha memória pula para uma casa que tínhamos na Ilha de Itacuruçá. Era um lugar meio distante, estrada de barro, praiano, calmo e sem qualquer iluminação. A geladeira era ligada a base de querosene, tínhamos que andar pelas ruas com lanternas. Nossa casa ficava em frente a um rio e a uma linha por onde passavam os trens - o "macaquinho". Lembro ter vindo de trem apenas uma vez. Geralmente meus pais iam no ponto de taxi perto de onde morávamos, e contratavam um motorista para nos levar. Era sempre um senhor moreno de nome Agostinho, talvez por conmhecer o caminho. Acho que tinha por volta de uns 10 ou 11 anos quando enfrentamos uma enorme enchente na estrada. Fiquei apavorada quando tivemos que abandonar o carro, e andar em meio ao rio caudaloso que se formava na estrada. Muito frio, muita chuva. Mesmo assim, continuávamos passando as férias de final de ano na casa ( naquela época, 3 meses).
Eu adorava estar naquele lugar, lá eu me sentia livre, podia andar de bicicleta, ficar na praia, brincar o carnaval, conversar com os colegas que tinham, da mesma forma que a gente, uma casa de veraneio. Tinha a liberdade que não tinha durante o ano. Em Madureira nem tinha com quem conversar ou brincar. Meus pais trabalhavam muito e, eu e meu irmão - dois anos mais novo que eu -, ficavamos em casa com a minha avó Maria ( mãe de minha mãe) esperando os pais chegarem do trabalho. Eu amava minha vozinha, ela era tudo para mim, era tudo que tinha na vida, era a única que olhava para mim, que acariciava os meus cabelos e me dizia palavras bonitas. Fazia todas as minhas vontades, contava histórias, não esquecia de fazer o meu doce preferido ( ambrosia). Ela era uma cozinheira de mão cheia.
Minha avó era analfabeta, abandonada pelo meu avô com 12 filhos nas costas, lavava roupas para ganhar um trocado, e poder assim sustentá-los. Ela me chamava pelo apelido carinhoso de Nina.
Era dessa pobresa que minha mãe se envergonhava e quis sair.
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Acordei um pouco tarde hoje. Liguei para o meu filho e a situação continua na mesma - ainda espera por uma cirurgia. Não tive dinheiro para sair de casa e visitá-lo. Quem é mãe sabe como a nossa cabeça fica. No meu caso, de mãos e pés atados, pois não tenho como sair daqui para ir a lugar algum.