sábado, 23 de outubro de 2010

Dali a minha memória pula para uma casa que tínhamos na Ilha de Itacuruçá. Era um lugar meio distante, estrada de barro, praiano, calmo e sem qualquer iluminação. A geladeira era ligada a base de querosene, tínhamos que andar pelas ruas com lanternas. Nossa casa ficava em frente a um rio e a uma linha por onde passavam os trens - o "macaquinho". Lembro ter vindo de trem apenas uma vez. Geralmente meus pais iam no ponto de taxi perto de onde morávamos, e contratavam um motorista para nos levar. Era sempre um senhor moreno de nome Agostinho, talvez por conmhecer o caminho. Acho que tinha por volta de uns 10 ou 11 anos quando enfrentamos uma enorme enchente na estrada. Fiquei apavorada quando tivemos que abandonar o carro, e andar em meio ao rio caudaloso que se formava na estrada. Muito frio, muita chuva. Mesmo assim, continuávamos passando as férias de final de ano na casa ( naquela época, 3 meses).
Eu adorava estar naquele lugar, lá eu me sentia livre, podia andar de bicicleta, ficar na praia, brincar o carnaval, conversar com os colegas que tinham, da mesma forma que a gente, uma casa de veraneio. Tinha a liberdade que não tinha durante o ano. Em Madureira nem tinha com quem conversar ou brincar. Meus pais trabalhavam muito e, eu e meu irmão - dois anos mais novo que eu -, ficavamos em casa com a minha avó Maria ( mãe de minha mãe) esperando os pais chegarem do trabalho. Eu amava minha vozinha, ela era tudo para mim, era tudo que tinha na vida, era a única que olhava para mim, que acariciava os meus cabelos e me dizia palavras bonitas. Fazia todas as minhas vontades,  contava histórias, não esquecia de fazer o meu doce preferido ( ambrosia). Ela era uma cozinheira de mão cheia.
Minha avó era analfabeta, abandonada pelo meu avô com 12 filhos nas costas,  lavava roupas para ganhar um trocado, e poder assim sustentá-los. Ela me chamava pelo apelido carinhoso de Nina.
Era dessa pobresa que minha mãe se envergonhava e quis sair.
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Acordei um pouco tarde hoje. Liguei para o meu filho e a situação continua na mesma - ainda espera por uma cirurgia. Não tive dinheiro para sair de casa e visitá-lo. Quem é mãe sabe como a nossa cabeça fica. No meu caso, de mãos e pés atados, pois não tenho como sair daqui para ir a lugar algum.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Mais um dia sem notícias. Arranjei uma forma de enviar uns torpedos pela internet, do tipo "te amo", "como você está?", "alguma notícia da cirurgia?".
Que bom, ele me respondeu. Ainda está na espera da cirurgia. O pé está menos inchado.
No final da tarde recebo uma ligação de minha mãe.
Ela me diz que, por causa de mim, a pressão de meu filho estava 15:9.
- Você não tem que ficar ligando ou enviando torpedos para não deixar o menino nervoso. A culpa é sua que fica atormentando o menino. Agora ele está com a pressão alta.
Ora,  pressão  é hereditária. Eu herdei esta porcaria (alta) de minha mãe, que passei para meu filho. Penso que está com a pressão um pouco alterada, por causa do estress de estar internado, pelo excesso de peso, também. Ele come uma comida muito salgada. Já havia falado com ele sobre esse detalhe.
A minha mãe disse que sou uma chata e inconveniente, que não tenho de me meter com a vida dele.
Será que até da pressão alta eu tenho culpa?
Eu e meu marido ( que não é o pai de meus filhos), estamos sem trabalho desde que resolvemos vir morar em Petrópolis. Passamos por muitas privações. Passamos dias e dias comendo arroz com farinha. Não tenho amigos, colegas, nenhum conhecido. Aqui não se faz amizades. Está sendo barra, não sei como estamos aguentando.
Vez por outra pensamos em dar cabo da vida.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Mais um dia em que nada acontece. O panorama não muda. Nada de trabalho, nada de dinheiro, nada na geladeira.
Meu filho ainda aguarda a cirurgia. Quero estar com ele, mas não posso.
Não tenho como sair daqui, não tenho R$ 1,00 no bolso.
Sem almoço, sem janta. Só comemos um pão francês por volta das 12h. 
Vida de miserável.
O pior é que temos profissão, só não temos oportunidade. Ou sorte.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O dia foi horrível. 
Sem dinheiro para descer, ou enviar uma mensagem, passei o dia preocupada, sem saber notícias da cirurgia de meu filho.
Telefono para a minha mãe a cobrar. Levo uma bronca.
Só queria saber notícias de meu filho.
Ele não operou.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Alguns momentos me vêm à mente. Fecho os olhos e me vejo em pé no berço, devia ter uns dois anos. O quarto estava escuro, acho que estou esperando alguém me tirar dali. E a imagem se apaga. Não me lembro o que aconteceu depois.
Dali minha mente pula para o jardim de infância, onde alguns momentos (muito poucos) aparecem. Lembro bem da aula de balé. Estou no Jardim de Infância Patinho Feio, localizado na Rua Manoel Martins, em Madureira (RJ). Minha mãe matriculou-me no balé, mas eu não quero ficar ali. Não gosto de virar cambalhotas, mas a professora insiste, insiste, tenta me obrigar. Eu não quero fazer aquela aula, eu não quero ficar ali. Emburro a cara e fico de lado e  ela força, mas eu não quero fazer. Também lembro que sou maior que as minhas colegas.
Ao chegar em casa, minha mãe decepcionada e furiosa, me dá uma surra. Apanhei porque a diretora do jardim ( Dª Lourdes) disse que não queria fazer a aula de balé. Ela me diz que eu a fiz passar vergonha, e que nunca mais faça isso.
 Fui uma decepção para meus pais.
Eles queriam se realizar em mim, e como não fiz o que eles queriam, me largaram de mão.
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Amanheci apreeensiva. A minha pressão estava um pouco alterada devido aos últimos acontecimentos. Amo meus filhos, quero ficar perto deles, mas eles me rejeitam. Para eles, estar ali ou não,  não faz a mínima diferença.
Minha senhoria, diante do meu desespero de querer saber notícias de meu filho, me empresta R$ 50,00 para que possa colocar gasolina no carro ( um scort velho), e descer ( sou carioca, mas desde 2007 moro em Petrópolis, região serrana do Rio de Janeiro). A cidade em que moro atualmente, localiza-se a 70km do Rio de Janeiro.
Chego ao hospital por volta das 15:16 horas. Já havia passado o horário de visitas.
- Infelizmente não posso deixar a senhora sair - diz o vigilante.
E por um acaso alguém segura uma mãe preocupada?
Tratei de ir até a sala de ortopedia (emergência), e de lá peguei o elevador. Caí no segundo andar. Percorri todas as enfermarias até que o encontrei. Lá estava meu filho na enfermaria 204, leito 5.
Só faltei me jogar em cima dele, mas notei que a sua fisionomia não esboçou muita felicidade. Mesmo assim fiquei, toquei, conversei. Estava feliz.
Horas depois surge a minha filha mais velha ( Marcella), que vem na minha direção, mas não fala comigo. Procuro puxar assunto, mas ela nem olha para mim, fica de lado, de braços cruzados encostada na cama do hospital. A minha presença não agrada muito, mas nem ligo. Eu quero aproveitar e ficar perto do meu filho, sentir um pouco de sua energia, saber o que tem feito.  Tentar participar um pouco de sua vida. É difícil.
Minha mãe tirou meus filhos, irmãos e a família de mim.
Sabe, tem uma hora que a gente se cansa de correr atrás de amor, de um pouco de afeto.
Saí do hospital por volta das 19 horas.
Cheguei em casa às 21 horas.
Enviei um torpedo, não obtive resposta.


domingo, 17 de outubro de 2010

Não lembro muito da minha infância. Não sei o porque disso, uns psicólogos dizem que alguma coisa de muito ruim deve ter acontecido em algum momento da minha formação, tão ruim que uma parte do meu cérebro não me deixa lembrar - a explicação é mais ou menos essa. Acredito nessa hipótese, pois tive uma infância conturbada, em meio a pais professores que queriam me enfiar num modelo completamente do que eu cabia.
Minha mãe engravidou dois anos depois de casada. Ela era uma mulher muito bonita, com uns olhos verdes lindos, parecia a Tonia Carreiro (atriz) quando nova. De família numerosa e pobre, foi a única filha a se interessar pelo estudo. Foi normalista do Carmela Dutra, e com 18 anos já dava aulas na Escola Pará (Rio de Janeiro). Uma professora exemplar, porém dura.
Meu pai sonhava em ser advogado. Filho de imigrantes portugueses, teve que estudar para ser professor ( visão portuguesa de seu pai, que era comerciante), quando um de seus irmãos ( o mais velho) resolveu abrir um colégio - O Curso Madureira. Aluno da UEG (hoje UERJ), formou-se em Pedagogia e Letras.
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Acordei logo cedo com uma mensagem em meu celular: meu filho ( Luiz Otávio Junior - 23 anos) estaria internado no Hospital Miguel Couto ( Leblon/Rio de Janeiro), com uma fratura no tornozelo desde ontem.
Aquela mensagem enviada por minha filha caçula ( Gabriella - 22 anos), de uma forma seca e fria, acabou com o marasmo dia que começava . Naquele momento queria sair correndo daqui e poder vê-lo, mas a falta de dinheiro não me deixa sair de onde estou. Apreensiva, ligo para a minha filha Marcella ( 26 anos) e, como sempre não atende o telefone. Envio um torpedo. O silêncio continua. 
Ligo para a minha filha caçula, nada. Envio um torpedo... nenhuma notícia. O nervoso toma conta de mim. Até que, depois de muito insistir, consigo falar com meu filho que responde:
- Não é nada, vou ter que fazer uma cirurgia, só isso. Pisei na bola jogando futebol. Mas não precisa vir aqui, qualquer coisa eu aviso. Tchau.
É muito triste saber que não sou querida, que a minha presença não faz a menor diferença.
Tudo por conta do dinheiro.