Minha
mãe era considerada a melhor educadora da escola onde lecionou durante 35 anos,
talvez por isso determinadas atitudes e comportamentos de sua parte, não
eram questionados em família . Ser professor era uma honra, porque naquela época a classe era tratada com certo respeito
pelos nossos governantes, e idolatrado por muitos que não tinham tido a
oportunidade de estudar. Fui cercada do que havia de melhor nessa parte da
educação escolar, mas não o melhor que eu queria, e sim o que eles
achavam que seria melhor dentro daquele destino que havia sido traçado para
cada um de nós. Cresci sem que meus pais prestassem atenção
em mim, nem tinham tempo porque trabalhavam feito loucos para manter o
padrão de vida que nos era dado. Eram pessoas honestas, queridas
pelos outros e muito dedicados à profissão. Tudo foi conseguido com muito
esforço.
Começo
o meu relato um pouco maior, porque lembro muito pouco de quando era pequenina,
só mesmo de minha avó materna que tomava conta de nós enquanto minha mãe estava
na escola. Coitada, saía pela mesma porta que minha mãe entrava. Recordo bem
que minha mãe questionava o fato de ela ir embora sem mesmo ter almoçado, e ela respondia: ”vou
embora antes que você comece a bater na minha Nina” ( apelido colocado em mim
pela minha avó). No Jardim de Infância, minha mãe encasquetou que devia fazer
aulas de balé e ser uma bailarina. Ora, bastava olhar para ela e para meu pai e
ver que não podia ter estrutura óssea para tal: eu era grande, a maior aluna da
sala. Depois, no primário, queria que tocasse acordeão nas festas da escola –
morria de vergonha carregando aquela instrumento enorme, sendo alvo de atenção
e comentários jocosos por parte de meus colegas, afinal estávamos na era do Rock,
baby! Depois, veio o tempo
da cantora lírica.... outros e outros sucessivamente
( minha mãe tinha muitas planos para mim). Já
meu pai sonhava menos, só queria que fosse advogada. Por fim, anos mais tarde, como
não dei para nada daquilo, planejaram me empurrar para algum infeliz filho de
comerciante no bairro em que morava; a solução para se livrarem do peso inútil,
foi a de me casar com um marido rico e,
naturalmente, passar o pacote para qualquer um que se candidatasse a tal. E por
ai foi ... uma sucessão de decepções por parte deles, pois o tempo que tinham
livre, se preocupavam com a opinião dos outros. Com tudo isso, acho que foram tomando ódio de mim o que não foi
difícil, pois já não morriam de amores. Quando se cansaram das investidas, todas elas mal
sucedidas, me colocaram de lado como se
fosse algo desprezível, uma criatura incapaz “não a altura deles”.
Meus
pais queriam exibir os filhos como se exibe um troféu . Por ter sido filha de
professores, tinha de ser uma comportada, genial e talentosa menina, a
melhor em tudo, e nenhum ser humano é bom em tudo. Não enxergavam que era uma
pessoinha que tinha vontades, gostos e aptidões próprias. Na verdade, eu não tive
mãe, e sim uma espécie de capataz, só que naquela época eu não tinha
consciência disso, e cresci uma criança triste, sozinha, complexada, se achando
um lixo, incapaz de fazer meus pais felizes. Lembro que era péssima em
Matemática e apanhava feito uma louca toda véspera de prova. Depois vinha outra
coça com o resultado das notas. Mas nada disso era tão terrível quanto a tortura psicológica, essa sim era de extrema
covardia, porque uma criança não tem como se defender, e acaba enfiando na
cabeça tudo aquilo que é dito para ela. É como traçar o destino daquele ser...todos
os dias escutava aquele rosário de insultos, que começava logo no café da manhã
e terminada na hora de dormir: “você não presta para nada”, “sai de perto de
mim porque eu odeio você”, “você nunca vai ser nada na vida”, “que só os
dois meninos eram filhos dela”,“você tem cheio de pobre”, “é uma desocupada na
vida”,” você será sempre uma fracassada na vida”, “um zero a esquerda”, “uma
idiota”, “cala boca sua imbecil”, “você é uma burra e inútil”, “você não faz nada que presta”,
“não é capaz de nada” eu tenho vergonha de ter tido uma filha burra”,
“vai pastar na vida”, “você é uma infeliz”, “uma horrorosa”, “uma
medíocre”, “que era um traste como pessoa”... e há uns anos atrás eu
escutei um novo repertório, do tipo: “eu não vou sossegar enquanto não vir você
sentada num banco de praça pedindo esmola” e “ tomara que um carro te pegue na
rua e te mate, pelo menos vai ser a última vez que vou olhar para a sua cara de
imprestável”.
Meu pai
não me batia, acho que isso revoltava ainda mais minha mãe. Quando ela percebeu que ele nunca iria fazê-lo (talvez por ser uma menina), partiu para outra
estratégia, a de minar o nosso relacionamento, (aliás ela vivia se vangloriando
com a capacidade que tinha de manipular as pessoas, de tirar e colocar as
pessoas onde ela bem quisesse, como num tabuleiro de xadrez) e assim começou a
me jogar contra ele dizendo que “ele não gostava de mim”, “estava decepcionado
comigo porque não fazia nada que o agradasse”, “não queria ver a minha cara na
frente dele”, “que eu não dirigisse a palavra ele”, “que ele era muito
ocupado para perder tempo com uma imprestável”, “que por ele eu já não morava
mais em casa, que estava ali de favor”, “que a minha presença incomodava ele”,
“que eu só estava morando em casa porque ela (mãe) pedia para ele não me colocar
na rua”... e a coisa chegou a um ponto tal, de ter medo de ir ao banheiro a noite e encontrar com ele
acordado, pois muitas das vezes corrigia provas de madrugada. Por sua vez, ele
se lixava para o que ela fazia, porque o que ele menos queria, era não se
dispor com ela. Em contra partida, descia o sarrafo no meu irmão ( dois anos
mais novo), que chegava a ser pior do que eu nos estudos; ele sim não queria
nada com nada, só jogar bola. Mas meu irmão era o protegido da minha mãe, e
cada vez que ele apanhava, ela dava um jeito de me arrebentar. E não era
pancadinha de chinelo, era tapa na cara, ela me agarrava pelos cabelos e
esfregava o meu rosto no chão, pisava na minha cabeça, era surra de cinto e até
de pedaço de pau.
Uma das
piores humilhações que passei na vida foi aos 12 anos, na minha
pré-adolescência. Minha professora detectou que tinha problemas de visão
e, muito contra gosto, minha mãe me levou a um oftalmologista, que logo
receitou um par de óculos. Eu não enxergava direito e ela nem sabia disso. Logo
de cara fui para 3,5° de miopia, e ela fez o favor de comprar para mim uns
óculos enormes, modelo masculino, que cobria quase todo o meu rosto, daquele
tipo do “Waldick Soriano”, e me obrigou a usar até eu tivesse dinheiro para
comprar outro. Mas ela fez isso (acredito) porque meus olhos são esverdeados, e
ela odiava quando alguém dizia que os meus olhos eram parecidos com os dela,
aliás detestava qualquer associação entre nós duas. Quando chegava em casa da
escola, a primeira coisa que fazia era tirar os óculos do meu rosto e esconder.
Lia e fazia os deveres de casa com muita dificuldade, o que logo contribuiu
para o aumento da miopia. Perdi as contas do tanto que chorava implorando meus
óculos de volta, e a resposta era sempre a mesma: que eu era uma
mentirosa, tinha enganado o médico e que não precisava dos óculos para
enxergar. Essa tortura perdurou até o começo do científico.
Não
aguentando mais as suas loucuras, aos 19 anos fui embora de casa depois que ela
descobriu que namorava um rapaz pobre. Nesta época fazia a minha faculdade de
Jornalismo e trabalhava como bancária no Méier. Chegava em casa a noite,
cansada, com fome, e ela ficava me esperando atrás da porta com uma facão na
mão e corria atrás de mim pela casa querendo me matar por conta do tal rapaz.
Como ela vivia falando mal de mim para todo mundo, tinha pavor da opinião
alheia, e como detestava pobres, a última coisa que queria ver
acontecer, era que os outros soubessem que estava namorando um “pé-rapado” .
Nesta época eu e meu pai não nos falávamos mais de tanta intriga que ela fazia
entre a gente, que se atolava cada vez mais de cargos na Universidade
e no Colégio. Com isso, chegava em casa bem tarde, de preferência
quando já estávamos dormindo. Quanto menos ele visse e escutasse, melhor.
Uma
outra passagem que me aborreceu e envergonhou bastante foi por ocasião da morte
de meu pai. Em 1994 ele descobriu que estava diabético, e como tal não poderia
tomar qualquer medicação e comer qualquer comida (além de doces), vivia numa
dieta rigorosa por conta da isquemia que teve. Como diretor adjunto de uma
escola, ele aproveitava e comia escondido, burlava geral a dieta imposta pelo
médico, e não deu muito certo. Um belo dia daquele mesmo ano, voltou para
casa se queixando de frio e resfriado. Minha mãe deu-lhe um remédio, desses
para gripe que se compra no balcão da farmácia, ele foi para a cama se
deitar e não acordou mais. Pois ela espalhou para toda vizinhança que eu tinha
matado o meu pai de desgosto por não ter me tornado nada na vida, uma inútil
como assim bem ela me descrevia. Passei a maior vergonha na frente das pessoas
e dos familiares, todos ficavam me olhando como se fosse culpada por ele ter
desistido de viver. Pior é que ela fala isso para os outros até hoje. Meu pai
terminou seus dias completamente infeliz. Ao longo dos anos, ele foi permitindo
que ela conduzisse a sua vida e quando quis tomar as rédeas, era tarde demais.
Perderia
um dia inteiro relatando casos de “abusos " que sofria dentro de minha
casa, porque os relatos não terminam por aqui, depois da morte de meu pai,
ela se ocupou em minar o meu relacionamento com meus filhos . Torturar
psicologicamente uma criança devia ser considerado um crime cruel, desumano e covarde, porque chega num ponto de você não aguentar mais
e fazer qualquer coisa para se livrar de tudo aquilo e não ver aquela (s) pessoa (s) nunca mais, é
onde se foge de casa, cai nas
drogas, na prostituição, na vida do crime, acaba se matando ou se tornando
violento, descontando em quem vê pela frente. Sim, porque a vida te
espera lá fora, cheia de armadilhas, e o resultado dos “maus tratos” é
que você acaba se atirando para cima do primeiro que se oferece para te livrar
de toda aquela opressão, e nem sempre as ajudas são do Bem, talvez por isso vemos
tantas crianças desaparecidas nos noticiários atuais. Só quem passou por isso
sabe a devastação que o Bullyng e a Alienação parental provoca na vida de uma pessoa. Foram
anos e anos me culpando por coisas que nem sabia de onde vinham. Eu
não me olhava no espelho porque não queria ver a minha feiura, sabe lá o que é
isso ? A pessoa fica anestesiada, não reage, não tem coragem de falar com os
outros com vergonha de si mesma, fica
insegura, porque aquela sensação de incapacidade paira o tempo todo sobre você e tudo que tenta
fazer, é como a Lei da Atração – o fracasso te persegue. Cresci sozinha, não
podia ter amigos e nem comentar nada na família, porque tudo chegava aos
ouvidos dela. Minha mãe era uma mulher tão bonita por fora, mas extremamente
insegura, carente, castradora,
autoritária e só ela podia ser o centro das atenções.
Como
passei uma parte de minha vida trancada num quarto, tomei gosto pela leitura e
foram nos LIVROS que procurei ajuda. Saí buscando respostas, primeiro na
religião e depois, quando achei que as
respostas não me satisfaziam, voltei aos estudos, porque sempre que tentava me
desvencilhar dela, caía em suas mãos. Tempos mais tarde, compreendi que o Universo
é implacável, quanto mais se rejeita, de alguma forma aquela situação volta
para perto, é como um imã: nada mais justo, porque boicotavam toda oportunidade
de trabalho que aparecia, alegando incapacidade da minha parte. Por outro lado,
fui contemplada com alguns ANJOS que o Universo colocava no meu
caminho, no momento onde a dificuldade era muito grande e me sentia
encurralada, porque as minhas ajudas vinham sempre de fora, pois estava
sempre sozinha em tudo. Um dia, Padre
Fábio de Melo disse: “Perdoar é se livrar do lixo que as pessoas jogaram em
cima de você”. O meu conselho para quem passou ou passa por esta mesma
situação é: PERDOE, mas faça isso de coração e o quanto antes, porque a
última coisa que você pode querer, é que esse lixo volte na próxima encarnação.
Rompa com essa frequência de repetições na sua vida. Limpe a sua alma e
não permita que te joguem lixo novamente. As pessoas falam tanto em
religião, em Jesus, mas não respeitam o seu próximo. Se somos feitos à imagem e
semelhança do Criador, há quem estamos desrespeitando ?
De
forma alguma estou aqui para expor a imagem de minha mãe que hoje é uma senhora
de 78 anos ( longe de mim ser responsável pela morte de mais alguém), muito
menos dar o troco, e sim para alertar e levantar essa discussão do
BULLYNG e da ALIENAÇÃO PARENTAL que, muitas das vezes, começa dentro da
nossa própria casa e vai ter - com certeza - o seu transbordamento na
vida escolar, no trabalho ou num relacionamento. A hora de falar sobre isso é
URGENTE nesse mundo tão violento que vivemos, e como me tornei uma
DESOCUPADA NA VIDA , passo os meus dias na internet trocando ideias nas
Redes Sociais, relatando as minhas experiências e onde fui buscar ajuda. Posso
não ter tido sucesso na vida profissional como minha mãe joga na minha
cara até hoje, mas de alguma forma me considero uma
vencedora pelo simples fato de não ter sido enterrada viva, mesmo depois de
toda campanha feita na intenção de me empurrar para o buraco e
jogar terra em cima. Traumas? Opa, é claro que ficaram... até hoje
não gosto de ver pais empunhando o dedo no rosto de filhos,
falando em tom de áspero, de ameaça, gritando, empurrando ou batendo...eu me
sinto mal, parece que todo aquele lixo
recai sobre o meu corpo. Olhando para trás, consigo enxergar quanto me
tornei forte, mais até do que imaginava, e compreendi que a
vida começa todos os dias.
Um comentário:
Amiga! Tua história poderia se transformar em livro. Como professora formada em Letras e com tanta facilidade em escrever bem, que achas? Eu seria a primeira a comprar um exemplar. Já tens bastante material. Crie um personagem, mude os nomes etc. Pense nisso! Além de ser uma terapia botar tudo que incomoda para fora. Aqui também fazes isso, mas não ganhas dinheiro com isso. Que tal a ideia? Beijocas!
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